Dois anos depois, novo CPC tem ‘lacunas’ não implementadas

Após dois anos de vigência, o novo Código de Processo de Civil (CPC) – embora
não seja mais tão novo – continua em fase de implementação. Nos tribunais e nos
escritórios de advocacia, a avaliação é a de que algumas novidades trazidas pelo
CPC de 2015 ainda não foram, na prática, implementadas. Ou, no mínimo, não
tiveram tempo para serem plenamente absorvidas.
Especialistas ouvidos pelo JOTA fizeram um balanço do Código, que nasceu com o
objetivo de modernizar e dar mais celeridade aos trâmites da Justiça.
Na avaliação do professor de Direito Processual Civil da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), André Roque, é cedo para definir se o saldo é positivo ou
negativo. “Começamos a ver um esforço do Judiciário na sua aplicação, mas falta
uma solidificação das matérias, sobretudo nos tribunais superiores.”
O especialista explica que, quanto mais posicionamentos, especialmente do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), sobre alguns pontos duvidosos do CPC
existirem, mais segurança os profissionais do direito terão para aplicar esses
institutos.
“Me parece que a gente está num momento em que o Judiciário começa, sim, a
buscar maior amadurecimento na aplicação do CPC, o Judiciário quer aplicar o
novo CPC, mas ainda falta definição de muitos pontos pela jurisprudência dos
tribunais superiores”, pontua Roque, que também é sócio do Gustavo Tepedino
Advogados.
Veja a seguir alguns tópicos controvertidos destacados por especialistas ouvidos
pelo JOTA:
Audiência de conciliação prévia
O artigo 334 do CPC prevê que a audiência de conciliação só não tem cabimento
quando as partes dizem que não querem entrar em acordo desta forma. A audiência
deveria ser realizada antes da contestação da outra parte do processo.
No entanto, segundo o desembargador Arnoldo Camanho de Assis, falta estrutura
física e pessoal para seguir a regra. “Faltam salas, mediadores e conciliadores
para realizar todas as audiências.” Além disso, a obrigação de reunir as partes
para tentar um acordo entre elas pode atrapalhar a pauta de julgamento de cada
juiz, que alegam que não há expectativa de acordo.
Nesse ponto, advogados citam ainda a cultura de litígio que existe no Brasil.
“A orientação para fazer audiência de conciliação e mediação que o código trouxe
é, antes de tudo, um problema de cultura do brasileiro de tentar fazer isso
antes do litígio. Além disso, falta estrutura para o Judiciário enfrentar tantas
demandas para que sejam realizadas as audiências”, afirma o advogado Alexandre
Dal Mas.
Precedentes
O novo CPC estabeleceu um sistema de precedentes que deve ser respeitado pelo
juiz ao tomar a sua decisão. Os precedentes judiciais vinculam as decisões, já
que, segundo o artigo 489, parágrafo 1º, VI, não se considera fundamentada
qualquer decisão judicial que deixar de seguir precedente ou jurisprudência
invocada pela parte, sem mostrar a existência de distinção no caso em julgamento
ou a superação do entendimento.
Com a regra, aponta o advogado Rodrigo Becker, o Brasil tenta formar um sistema
de precedentes em que juízes de primeira e segunda instâncias deveriam se
adequar aos precedentes das instâncias superiores.
“A gente ainda não viu essa consolidação e isso ainda vai demorar muito para ser
implementado. Não se trata de uma questão apenas de dizer que a partir de agora
vai ser assim. Nosso modelo é de civil law, ou seja, a gente se baseia na lei, e
agora com a cultura do precedente queremos mudar um pouco isso para não nos
basearmos só na lei, mas no que os precedentes dizem a partir da interpretação
da lei. Essa é uma questão que demora”, ressalta.
Dias úteis
No artigo 219, o novo CPC passou a prever que o prazo é contado em dias úteis.
Ou seja, devem ser desprezados os finais de semana e os feriados nos prazos
processuais. A regra foi elogiada por advogados, para quem o método facilitou o
trabalho e a organização com os prazos. Do outro lado, juízes dizem que os
prazos atrasam os julgamentos dos casos.
O advogado Alexandre Dal Mas afirma que a contagem do prazo se tornou uma
ferramenta muito importante para os operadores do Direito. “Antes do novo CPC
tínhamos menos tempo para resolver questões processuais e agora existe uma
situação de fazer com que as coisas sejam melhores formatadas.”
Agravo de instrumento
Para o advogado do escritório BMA e professor da Universidade de Brasília (UnB)
André Macedo, o STJ está de fato preocupado com a interpretação dos dispositivos
do código. “É o caso do artigo 1015, sobre a questão do cabimento do agravo de
instrumento, se o rol é taxativo ou não”, pontua.
Na avaliação de André Roque, houve um retrocesso com relação ao agravo de
instrumento. “Nós temos hoje uma insegurança jurídica e mais uma vez a uma
questão está chegando ao STJ, que afetou dois repetitivos para definir se o rol
do agravo é taxativo ou não é taxativo”.
Correção dos recursos
O novo código também determinou o prazo de cinco dias para sanar vícios formais,
como ausência de procuração ou de assinatura. A regra está prevista no artigo
932, parágrafo único.
Segundo o advogado Luiz Dellore, “a norma evita a jurisprudência defensiva, ou
seja, o juiz não pode não conhecer do recurso por um protocolo ilegível, por
exemplo”.
Honorários de sucumbência
O NCPC prevê a majoração dos honorários advocatícios em grau recursal. A regra,
prevista no artigo 85, parágrafo 11º, é considerada um instrumento de inibição
de recursos infundados.
STJ
André Macedo entende que o STJ está no seu papel na busca pela maturação do novo
CPC. “Dois anos é muito pouco tempo para mostrar de fato um resultado de
efetivação e racionalidade do sistema, para querer de pronto uma redução no
volume de processos”, comenta.
O advogado defende que o tribunal tem feito o que está ao seu alcance.
“A Corte Especial, por exemplo, está decidindo a questão da súmula 182. Os
ministros também estão dialogando mais com os tribunais para entender como o
novo sistema tem sido adotado”, enumera.
Por Livia Scocuglia – Brasília e Mariana Muniz – Brasília
Fonte: Jota – 17/03/2018 – 07:30