Conciliação e mediação nas serventias extrajudiciais
Os meios consensuais no ordenamento jurídico brasileiro estão regulamentados
por um minissistema formado pela Resolução 125, de 29 de novembro de 2010, do
Conselho Nacional de Justiça, que instituiu uma Política Pública para o
tratamento dos conflitos pelo Judiciário, Novo Código de Processo Civil – NCPC
(Lei 13.105/2015) e a Lei de Mediação (Lei 13.140/2015)[1].
Agora, regulamentando o artigo 42 da Lei de Mediação, o CNJ apresenta o
Provimento 67 de 26 de março de 2018, consolidando uma política de permanente
incentivo e aperfeiçoamento da resolução de conflitos por conciliação e
mediação, inserindo as serventias extrajudiciais nessa sistemática.
O congestionamento das vias judiciais permitiu uma nova compreensão das
finalidades institucionais do Judiciário, incentivando outras formas de
resolução de conflitos, a fim de realmente cumprir o acesso à Justiça[2] ou à
ordem jurídica justa[3].
Novos paradigmas estão sendo desenvolvidos, com uma perspectiva pluralista, pela
peculiaridade de diversos órgãos e instâncias, que, por suas múltiplas
características e funções, podem oferecer respostas diferenciadas e mais
apropriadas aos conflitos.
O presente estudo apresenta as primeiras impressões do provimento ora editado,
enaltecendo as nuances da atuação de notários e registradores, operadores do
direito que podem contribuir para a efetivação dos meios consensuais no sistema
jurídico brasileiro.
Conciliação e mediação nas serventias extrajudiciais: uma nova atribuição
Na aplicação do método, conciliadores e mediadores se destacam de qualquer
profissão originária e atuam com finalidade própria, especificamente relacionada
ao tratamento dos conflitos. Conciliadores e mediadores não apontam soluções
jurídicas, como faria um advogado; não decidem de forma impositiva, como o juiz;
não analisam conflitos intrapsíquicos, como o psicólogo. Atuam aplicando técnica
própria, a partir da tipologia do conflito e buscando uma transformação da
comunicação, como terceiro neutro e imparcial. Por isso é fundamental a correta
compreensão dos meios consensuais.
Notários e Registradores devem exercer essa nova atribuição relacionada à
aplicação específica dessas técnicas, atuando como facilitadores da comunicação
e, pela investigação das suas razões, favorecendo a resolução do conflito. Dessa
forma, é evidente que não está atrelada a nenhuma especialidade cartorial, tanto
que o provimento não fala em distinção por atribuição. Aliás, foi nesse sentido
o fundamento do Parecer 178/2013, dado pelo juiz Gustavo Henrique Bretas
Marzagão, na qualidade de assessor da Corregedoria paulista, em 27 de maio de
2013, no Processo 2012/56888, que posteriormente resultou no Provimento 17/2013.
O artigo 13 do Provimento 67/2018 destaca que o requerimento de conciliação e
mediação poderá ser dirigido a qualquer serviço notarial ou de registro, de
acordo com as respectivas competências, seguindo o artigo 42 da Lei de Mediação.
Acresça-se ainda o disposto no artigo 9º da Lei de Mediação, responsável por
afastar restrições inócuas, pois a mediação pode ser realizada por “qualquer
pessoa capaz que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer
mediação, independente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe
ou associação, ou nele inscrever-se”.
É certo que essa interpretação favorece a população, pois as Serventias
Extrajudiciais estão espalhadas por todo o território e estão presentes até
mesmo nos locais mais longínquos. Sem essas restrições, haverá grande ampliação
das arenas de solução consensual de conflitos, favorecendo o desenvolvimento da
Justiça colaborativa.
Formação adequada
Em 2010, a Resolução 125 do CNJ trouxe as bases mínimas da capacitação de
conciliadores e mediadores, de forma factível em âmbito nacional, enfatizando
conhecimentos práticos e teóricos. Atualmente, o NCPC (artigo 167, §1º)
disciplinou que o CNJ, em conjunto com o Ministério da Justiça, deve definir o
parâmetro curricular, mas que a capacitação mínima ficará sob a responsabilidade
das entidades credenciadas pelos tribunais, proporcionando maior flexibilidade.
Já a Lei de Mediação (artigo 12) menciona os requisitos mínimos de capacitação a
serem fixados pelo CNJ, mas omite a referência às câmaras privadas de
conciliação. As leis são notadamente complementares e a diferença é de mera
nomenclatura.
Sendo de extrema relevância, não há controvérsia quanto à necessidade da
formação adequada para os profissionais que atuarão no âmbito das Serventias
Extrajudiciais. A formação é a peça fundamental dos meios consensuais. A prática
revela uma infinidade de configurações e essa é a razão pela qual conciliadores
e mediadores devem ter formação sólida relacionada aos mais diversos conflitos e
aos seus respectivos tratamentos.
Segue nessa linha o artigo 6º do Provimento 67/2018, que apresenta necessidade
de formação e constante aperfeiçoamento.
Não há menção quanto à necessidade de graduação há pelo menos dois anos em curso
de ensino superior, contrapondo a previsão do artigo 11 da Lei de Mediação, que
assim determina para o mediador judicial. Trata-se de uma grande restrição, que
contradiz as bases constitutivas da mediação. Assim, esse requisito não se
aplica às Serventias Extrajudiciais, que mesmo sob a supervisão dos Tribunais
Estaduais, devem ser compreendidas como câmaras privadas no desenvolvimento dos
meios consensuais.
Credenciamento
O artigo 8º, §1º da Resolução 125 mencionava a necessidade de cadastrar
conciliadores e mediadores para a atuação no âmbito judicial, sem aprofundar tal
questão. O artigo 167 do NCPC dispõe que “os conciliadores, os mediadores e as
câmaras privadas de conciliação e mediação serão inscritos em cadastro nacional
e em cadastro de Tribunal de Justiça ou de Tribunal Regional Federal, que
manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área
profissional”. Traz, assim, uma obrigação ao CNJ, no sentido de compor um
cadastro nacional e aos tribunais, para realizar cadastros regionais. O artigo
167, § 1º, apresenta como requisito para o cadastro a realização da capacitação
por curso realizado por entidade credenciada.
No âmbito das serventias extrajudiciais, a adesão deve ser facultativa e o
processo de autorização deverá ser regulamentado pelos Núcleos Permanentes de
Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC) e pelas corregedorias de
Justiça dos estados.
Tal exigência faz parecer que será necessário permanecer aguardando para que os
meios consensuais se tornem uma realidade nas Serventias Extrajudiciais. Isso
porque, além do cumprimento de todas as exigências por parte das serventias,
corregedoria e núcleos de conciliação e mediação deverão trabalhar juntas na
regulamentação dessa nova atribuição dada aos Notários e Registradores.
Código de Conduta
Os princípios dos meios consensuais, bem como o Código de Ética da atividade
foram estruturados pela Resolução 125 do CNJ, disposições a serem observadas por
conciliadores e mediadores, a fim de garantir sessões consensuais minimamente
asseguradas. O artigo 5º do Anexo III da referida Resolução já mencionava que
conciliadores e mediadores seguiriam as mesmas hipóteses de impedimento e
suspeição dos juízes, devendo, quando constatados, prestar as informações
necessárias, afastando-se das sessões, com a inequívoca substituição do terceiro
facilitador.
Vale destacar que, mesmo com os dispositivos do NCPC e Lei de Mediação, o anexo
III da Resolução 125, o qual traz o Código de Ética de conciliadores e
mediadores, é regramento mais completo quanto às responsabilidades e sanções de
conciliadores e mediadores. Justamente por isso deve ser principalmente
observado. O artigo 166 do NCPC repetiu os princípios dessa Resolução e
regulamentou, nos artigos 170 e 171, respectivamente, os procedimentos a serem
adotados nos casos de impedimento ou impossibilidade temporária. Já a Lei de
Mediação trata dos impedimentos no artigo 5º.
Essas regras de impedimento e suspeição, por óbvias razões, aplicam-se aos
conciliadores e mediadores no âmbito das serventias extrajudiciais e estão
contempladas nos artigos 7º e seguintes do Provimento 67/2018.
O regramento ético é a garantia da lisura do método e seu desenvolvimento
apropriado, favorecendo o engajamento das partes. Conciliadores e mediadores
devem informar às partes sobre os princípios deontológicos, as regras de conduta
e as etapas da conciliação, principalmente favorecendo a autonomia das partes,
que devem chegar a uma decisão voluntariamente, sem pressões ou ameaças.
O descumprimento dos princípios e regras de conduta nas serventias
extrajudiciais deverá ser apurado em procedimento administrativo.
Destaque deve ser dado ao parágrafo único do artigo 9º do Provimento 67/2018,
pois notários e registradores atuam de forma distinta e com atribuições
específicas, prestando serviços públicos que não podem ser afastados. O
dispositivo resolve questão importante e, de outra forma, os meios consensuais
restariam prejudicados, pois não poderiam impedir a delegação estatal.
Remuneração
A remuneração sempre foi uma das questões mais controvertidas da
profissionalização de conciliadores e mediadores[4]. Em grande parte da
federação, sobretudo no âmbito judicial, a função é exercida voluntariamente,
embora reconhecidamente honorífica e relevante.
A Resolução 125 abriu a possibilidade de remuneração aos conciliadores e
mediadores, mas não detalhou a matéria. O artigo 169 do NCPC dispõe que
conciliadores e mediadores receberão remuneração prevista em tabela fixada pelo
tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça.
Trata-se de um grande avanço. A Lei de Mediação vai além e prevê que a
remuneração deve ser fixada pelos tribunais e custeada pelas partes, ressalvada
a gratuidade assegurada aos hipossuficientes financeiros (artigo 13 combinado
com artigo 4º, § 2º).
No âmbito das serventias extrajudiciais, a questão também é polêmica. Não resta
dúvida da necessidade de regulamentação legislativa, observadas as diretrizes da
Lei 10.169/2000.
Contudo, o caput do artigo 36 do Provimento 67/2018 determina igualmente os
emolumentos para conciliações e mediações, fixando o menor valor cobrado na
lavratura de escritura pública sem valor econômico. E ainda determina que, na
hipótese de o arquivamento do requerimento ocorrer antes da sessão de
conciliação ou mediação, 75% (setenta e cinco por cento) do valor recebido
deverá ser restituído.
Ora, os emolumentos das conciliações e mediações devem corresponder ao efetivo
custo e à adequada remuneração dessa nova atribuição. Isso porque a natureza
pública das atividades notariais e registrais está ligada ao dever do Estado de
proporcionar meios econômicos necessários ao exercício de novas atribuições,
garantindo a qualidade do serviço público pela fixação de remuneração que seja
correspondente ao seu efetivo custo.
Essa sistemática permitiria maior adesão das serventias extrajudiciais aos meios
consensuais, sobretudo daquelas deficitárias. Certamente, não é o que ocorrerá.
Por outro lado, foi contemplada a desvinculação dos emolumentos ao acordo,
afastando atuações errôneas e resultados equivocados. Nesse ponto, andou bem o
provimento.
Ainda seguindo a atuação das câmaras privadas, nas serventias extrajudiciais os
emolumentos devem ser considerados por hora de atuação e assim foi disciplinado
no parágrafo 2º do artigo 36 do Provimento 67/2018.
Já sobre a gratuidade, enquanto o § 1º do artigo 169 do NCPC autoriza a
realização de conciliações e a mediações voluntariamente, observada a legislação
pertinente e a regulamentação do tribunal, a Lei de Mediação não prevê a
voluntariedade nem mesmo dos mediadores judiciais. Já o § 2º do artigo 169 do
NCPC dispõe que os tribunais determinarão o percentual de audiências não
remuneradas que deverão ser suportadas pelas câmaras privadas de conciliação e
mediação, com o fim de atender aos processos em que haja sido deferida
gratuidade da justiça.
No caso das serventias extrajudiciais, ficou determinado que poderão realizar
sessões não remuneradas em percentual a ser fixado pelos tribunais não inferior
a 10% do total semestral de sessões (parágrafo único, artigo 39, Provimento
67/2018). Embora essa regra afaste a concessão ampla e indiscriminada da
gratuidade, seria mais adequado estabelecer tanto mínimo quanto máximo a ser
fixado, evitando disparidades entre os Estados.
Conclusão
É inegável que está acontecendo uma revolução paradigmática ligada ao
desenvolvimento de uma nova cultura[5]. Há um claro deslocamento do eixo da
Justiça não só pela inclusão dos meios consensuais no âmbito judicial, mas
também pela regulamentação e incentivo no âmbito privado, sobretudo considerando
as serventias extrajudiciais. Ao estabelecer formas plurais de resolução, o
Estado reforça o seu compromisso com a pacificação social.
A importância de conciliadores e mediadores; a necessidade de formação
constante; o controle da atuação; o regramento ético; as questões ligadas ao
impedimento e suspeição; o imperativo da remuneração: tantas questões
fundamentais a serem debatidas e aprofundadas, todas extremamente necessárias
para o desenvolvimento acertado da conciliação e mediação nas serventias
extrajudiciais, a serem reconhecidas como atividades próprias, únicas,
desvinculadas de quaisquer atribuições.
Não há qualquer pretensão de encerrar discussões, ao contrário: o que se quer é
inaugurar o debate. Trata-se de estudo preliminar, certamente a ser revisitado
em momento posterior, mas já buscando promover reflexões de forma abrangente,
sobretudo considerando a efetiva implementação da autorização legislativa em
âmbito nacional.
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1 Cf. Ada Pellegrini Grinover, in Os métodos consensuais de solução de conflitos
no Novo Código de Processo Civil, disponível em
<http://estadodedireito.com.br/conflitosnonovo/>. Acessado em 18.05.2017.
2 Para Mauro Cappelletti e Bryant Garth, in Acesso à Justiça, Tradução de Ellen
Gracie Northfleet, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris, 1988, p. 08, o acesso à
Justiça indica duas finalidades básicas do sistema jurídico, “Primeiro, o
sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir
resultados que sejam individual e socialmente justos”.
3 A expressão é utilizada por Kazuo Watanabe, “Acesso à Justiça e sociedade
moderna”, in Participação e processo, Coordenação de Ada Pellegrini Grinover,
Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe, São Paulo, Revista dos Tribunais,
1988, p. 135, ao mencionar que “Em conclusão: a) o direito de acesso à Justiça
é, fundamentalmente, direito de acesso à ordem jurídica justa; b) são dados
elementares desse direito: (1) o direito à informação e perfeito conhecimento do
direito substancial e à organização de pesquisa permanente a cargo de
especialistas e orientada à aferição constante de adequação entre a ordem
jurídica e a realidade sócio-econômica do País; (2) direito de acesso à Justiça
adequadamente organizada e formada por juízes inseridos na realidade social e
comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa; (3) direito
à preordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a efetividade
tutela de direito; (4) direito à remoção de todos os obstáculos que se
anteponham ao acesso efetivo à Justiça com tais características”.
4 Para aprofundar o tema, v. Érica Barbosa e Silva, Profissionalização de
conciliadores e mediadores, in Revista Científica Virtual da Escola Superior da
Advocacia, n. 23, São Paulo, OAB/SP, 2016, p. 67-77.
5 Kazuo Watanabe, Cultura da sentença e cultura da pacificação in Estudos em
homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover, Coordenação de Flávio Luiz
Yarshell e Maurício Zanoide, São Paulo, DPJ, 2005, p. 689
Por Érica Barbosa e Silva, mestre e doutora em Direito Processual pela USP.
Professora convidada em cursos de pós-graduação lato sensu. Pesquisadora. Membro
do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual) e CEAPRO (Centro de Estudos
Avançados de Processo). Conciliadora. Oficiala de Registro Civil em São Paulo –
SP.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 9 de abril de 2018, 6h03